Entrevistas com nossos pesquisadores: Ernesto Chaves Pereira

Não é por acaso que o cientista Ernesto Chaves Pereira chegou à pesquisa em energia limpa pelo caminho da eletroquímica.
Essa área do conhecimento, que explora as interações entre a eletricidade e as reações químicas, desempenha um papel central na transição energética, pois a sua aplicação viabiliza formas limpas e eficientes de produzir, armazenar e utilizar energia.
Por exemplo, a divisão da molécula de água para gerar hidrogênio verde é um processo eletroquímico que pode fazer muita diferença numa economia de baixo carbono. De fato, ele gera, de forma sustentável, uma molécula que pode ser usada tanto como combustível limpo e eficiente quanto como insumo de diversos produtos, ajudando a descarbonizar o setor de transporte e várias indústrias.
No CINE, a produção de hidrogênio verde é o assunto central de um dos quatro programas de pesquisa, o GH2 (sigla de Green Hydrogen), que é coordenado pelo professor Ernesto. O programa conta hoje com cerca de 70 membros, entre pesquisadores e estudantes.
Formado na graduação, mestrado e doutorado pela UFSCar, sempre na área de Química, Ernesto Pereira trabalha no desenvolvimento de materiais para uso em processos eletroquímicos há mais de 30 anos. Assim que finalizou o seu doutorado, em 1994, ele se tornou docente da UFSCar, chegando ao cargo de professor titular em 2015.
Atualmente, ele também é coordenador geral da unidade da EMBRAPII na UFSCar, dedicada ao desenvolvimento de materiais. A EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) é uma organização social sem fins lucrativos que atua como ponte entre governo, instituições de pesquisa e indústria para promover a inovação tecnológica no país.
Até o momento, Ernesto P. Chaves publicou mais de 250 artigos científicos em periódicos internacionais e orientou mais de 130 trabalhos de pesquisa de alunos de graduação e pós-graduação e de pós-doutorandos, sendo bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq no nível mais alto, o 1A.
Nesta entrevista, o professor Ernesto fala sobre as possibilidades que o Brasil tem para se destacar na transição energética e o que o CINE está fazendo nesse contexto dentro do programa Hidrogênio Verde.
Qual é a importância da eletroquímica e suas aplicações na atualidade, no contexto da transição energética?
A eletroquímica, ela depende da disponibilidade de grandes quantidades de energia elétrica, preferencialmente renováveis. Só faz sentido você falar em transição energética e usar dispositivos eletroquímicos, quaisquer que sejam eles, se a energia elétrica for renovável, seja ela hidráulica, eólica, fotovoltaica ou de qualquer outra fonte renovável.
Partindo desse princípio, é importante lembrar que o Brasil tem grande disponibilidade de energia elétrica de fontes renováveis. Não só a capacidade instalada de energia elétrica renovável no Brasil é enorme, mas também a capacidade de expansão dessa energia é muito grande, mais 25 vezes, pelo menos, do que a gente tem hoje instalado. Isso é realmente um diferencial importante do nosso país.
Dito isso, como é que a gente pode contextualizar a transição energética e a eletroquímica? As tecnologias de energia limpa normalmente são eletroquímicas, tais como a célula combustível, a produção de hidrogênio a partir da eletrólise da água, as baterias e os supercapacitores. Então, a gente pode dizer que a eletroquímica e os diferentes dispositivos eletroquímicos são uma chave importante em tudo o que falamos sobre transição energética nos dias de hoje.
Em que sentido o hidrogênio das pesquisas do programa GH2 é “verde”?
No CINE trabalhamos em um programa voltado para a produção de energia de baixo carbono, com destaque para o chamado hidrogênio verde. Mas, afinal, o que é o hidrogênio verde?
Trata-se de hidrogênio produzido a partir da eletrólise da água — um processo que separa a água (H₂O) em dois gases: hidrogênio e oxigênio. Isso é feito usando eletricidade para quebrar as moléculas de água: o hidrogênio é obtido no eletrodo onde ocorre a redução, e o oxigênio no eletrodo onde ocorre a oxidação.
Esse hidrogênio pode ser usado como fonte de energia limpa ou como matéria-prima para diversas indústrias, como a produção de amônia (essencial para fertilizantes) e outros processos industriais fundamentais.
O que torna esse processo verdadeiramente sustentável — e que diferencia o hidrogênio verde — é o uso de energia elétrica renovável. E aqui o Brasil tem uma grande vantagem: mais de 80% da nossa eletricidade já vem de fontes limpas, como hidrelétricas, parques eólicos e usinas solares.
No CINE, nosso diferencial é justamente esse: estamos desenvolvendo tecnologias para produzir hidrogênio por eletrólise da água, aproveitando essa abundância de energia renovável no Brasil. Isso coloca o país em uma posição estratégica na transição para uma economia de baixo carbono.
Quais são os grandes objetivos e principais desafios do programa Hidrogênio Verde do CINE?
No Programa de Hidrogênio Verde do CINE, atuamos em várias frentes de pesquisa com um objetivo comum: tornar a produção de hidrogênio mais eficiente, acessível e sustentável.
A primeira frente é o desenvolvimento de novos materiais. Buscamos materiais que sejam eficientes, baratos e de fácil produção para melhorar o desempenho das células dos eletrolisadores — os equipamentos responsáveis por separar a água em hidrogênio e oxigênio.
A segunda linha de pesquisa foca nos fenômenos fundamentais que acontecem durante o processo de eletrólise. Estudamos em detalhe as reações químicas na interface entre o eletrodo e a solução, e como essas reações podem ser controladas e otimizadas para melhorar o rendimento energético do sistema.
A terceira frente envolve o estudo de reatores em pequena escala, no laboratório. Nesses reatores, testamos o que aprendemos nas etapas anteriores — os novos materiais e os conhecimentos sobre as reações — para entender como tudo isso pode ser aplicado na prática, mesmo que ainda em escala reduzida.
Além disso, o Programa de Hidrogênio Verde do CINE participa de uma iniciativa da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Essa parceria busca padronizar os métodos de teste de eletrolisadores em laboratórios ao redor do mundo, permitindo a comparação justa e precisa dos resultados entre diferentes grupos de pesquisa.
Embora ainda estejamos falando de experimentos em escala de laboratório, existem muitas oportunidades para melhorar a eficiência dos eletrolisadores que já existem — e esse é justamente um dos grandes desafios que buscamos superar.
De que forma os resultados dos trabalhos do programa podem beneficiar a sociedade?
Não são apenas os resultados das pesquisas que beneficiam a sociedade. Todo o processo de desenvolvimento científico e tecnológico, por si só, já representa um ganho importante. Por quê?
Porque ele forma pessoas altamente qualificadas. São estudantes de graduação, pós-graduação e até profissionais já doutores, todos envolvidos com o tema das energias renováveis. Ao se especializarem nessa área, esses profissionais levam seu conhecimento para empresas, universidades e centros de pesquisa no Brasil e no exterior, multiplicando o impacto positivo do que é feito no CINE. Esse efeito em rede é fundamental para acelerar a transição energética no país.
Além disso, é preciso lembrar que as mudanças climáticas são um desafio global — e não afetam apenas uma parte da sociedade, mas toda a humanidade. E, na minha visão, há dois pontos fundamentais que precisam ser enfrentados juntos: a substituição de fontes fósseis por fontes renováveis de energia e a melhoria da eficiência no uso da energia.
Muitas escolhas energéticas feitas no passado, que pareciam boas naquele momento, hoje se revelam ineficientes. Um exemplo claro é o automóvel. Seja movido a gasolina, etanol ou eletricidade, quando olhamos para o propósito do carro — transportar pessoas ou cargas leves — percebemos que a maior parte da energia é usada para mover o próprio veículo, e não o passageiro.
A eficiência energética do transporte individual é incrivelmente baixa: apenas de 2% a 4% da energia do combustível realmente se transforma em movimento útil para levar a pessoa. Isso acontece porque o carro, em geral, pesa muito mais do que quem está dentro dele.
Portanto, se quisermos enfrentar a crise climática de forma séria, toda a sociedade precisa agir. Não basta mudar a fonte de energia. É necessário também repensar a forma como usamos essa energia — e buscar soluções mais inteligentes e eficientes.
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Ernesto Chaves Pereira
UFSCar