Pesquisadores do CINE revisam tecnologia para carros elétricos abastecidos com bioetanol

Imagine um carro que reúne as vantagens de um veículo elétrico e a praticidade de ser abastecido com um combustível amplamente disponível. Tal é a proposta dos carros com células a combustível. Esses dispositivos eletroquímicos convertem diretamente a energia química de um combustível em energia elétrica, viabilizando a existência de veículos que utilizam, por exemplo, o etanol para gerar a eletricidade que o motor elétrico necessita.
Em um artigo que acaba de ser publicado no prestigiado periódico científico Journal of Energy Chemistry, pesquisadores do CINE e colaboradores fazem uma revisão detalhada das vantagens e desafios de uma promissora tecnologia de células a combustível, a das MS-SOFCs (sigla em inglês de “célula a combustível de óxidos sólidos suportada em metais”). De acordo com os autores, esta tecnologia, que tem despertado interesse no meio acadêmico e na indústria nas últimas duas décadas, poderia ajudar a acelerar a transição energética no setor automotivo, principalmente em países que contam com ampla produção e comercialização de biocombustíveis, como o Brasil, Estados Unidos, Tailândia, Índia e países da África.
“O nosso estudo destaca que as MS-SOFCs (Metal-supported Solid Oxide Fuel Cells) representam uma solução promissora para a descarbonização da mobilidade, podendo ser uma alternativa impactante para a eletrificação deste setor”, diz Gustavo Doubek, professor da Unicamp e pesquisador no CINE. “Elas combinam alta eficiência, durabilidade e flexibilidade de combustível, além de eliminarem as limitações atuais da eletrificação, criando um caminho sólido para a transição energética do setor automotivo, sem os altos custos do hidrogênio ou as limitações das baterias convencionais no tempo de recarga”, completa.
O artigo de revisão foi realizado a partir de uma colaboração entre pesquisadores da Unicamp, MackGraphe, UFES e KAUST (universidade da Arábia Saudita). A pesquisa faz parte de um esforço maior dentro do CINE, alinhado à busca por tecnologias viáveis para a descarbonização do setor de transportes, que inclui trabalhos sobre novos materiais e arquiteturas para MS-SOFCs, além de pesquisas sobre reformadores e biocombustíveis.
“O diferencial do CINE não está apenas na pesquisa, mas também na busca pela conexão entre ciência e mercado”, explica Hudson Zanin, que, assim como Doubek, é professor da Unicamp, pesquisador no CINE e um dos autores do artigo. “O centro trabalha para levar essas inovações do laboratório para aplicações reais, garantindo que as MS-SOFCs sejam completamente desmistificadas para que se tornem uma solução prática e acessível na transição energética”, completa.
Segundo os autores do artigo, a MS-SOFC apresenta uma série de vantagens comparada com outros sistemas de mobilidade. Com relação aos carros convencionais a etanol, o carro com MS-SOFC apresenta maior eficiência energética. Em outras palavras, a mesma quantidade de biocombustível rende mais quilômetros no veículo com célula a combustível do que no carro com motor de combustão. Além disso, carros elétricos são mais silenciosos, diminuindo a poluição sonora, e mais confortáveis para condutores e passageiros.
Com relação aos carros elétricos com bateria, o veículo com célula a combustível se destaca pela rapidez no abastecimento do tanque, comparado com a recarga da bateria. Outra vantagem é a de não sobrecarregar a rede elétrica.
Além disso, as MS-SOFCs são capazes de gerar eletricidade a partir de bioetanol, biogás, biometano, amônia verde e, até mesmo, combustíveis fósseis. Dessa forma, na comparação com o carro a hidrogênio, o veículo com MS-SOFC ganha no quesito praticidade, já que pode ser abastecido com combustíveis amplamente disponíveis e facilmente transportáveis, enquanto postos de hidrogênio ainda são muito escassos.
Finalmente, robustez e baixo custo da célula a combustível são o destaque quando a tecnologia se compara com outras SOFCs que utilizam apenas cerâmicas, em vez de metais, no suporte do dispositivo.
Etanol gera hidrogênio que gera eletricidade
Um carro com MS-SOFCs pode funcionar da seguinte forma. O tanque é abastecido com algum combustível renovável, como, por exemplo, o etanol (C2H5OH) produzido a partir da cana-de-açúcar. O bioetanol passa então pelo reformador, componente responsável por “extrair”, por meio de reações químicas, o hidrogênio que está presente na composição do combustível. O hidrogênio, por sua vez, passa pela célula a combustível, na qual é oxidado, e, juntamente com o oxigênio do ar que é reduzido, gera os elétrons necessários para carregar as baterias e supercapacitores e dar energia ao motor elétrico.
Como resíduo, o processo gera água, calor e um pouco de dióxido de carbono, o qual é compensado pelo CO2 que a cana de açúcar consome na fotossíntese, levando a emissão líquida de carbono a um nível próximo de zero.
A tecnologia ainda não está presente em veículos à venda no mercado, mas já foi usada em um protótipo de carro elétrico a etanol da Nissan, o “e-Bio Fuel Cell”, que foi lançado no Brasil em 2016 e ficou rodando por estradas do país.
Todavia, as MS-SOFCs ainda apresentam desafios à área de pesquisa e desenvolvimento para se tornarem comercialmente viáveis do ponto de vista do seu desempenho, vida útil e custos. Esses desafios, além do status atual de desenvolvimento da tecnologia, podem ser conferidos no artigo científico, que foi realizado com financiamento da FAPESP, Unicamp, CNPq e Shell, além do suporte estratégico da ANP.
Referência do artigo científico: F. C. Antunes, J. P. J. de Oliveira, R. S. de Abreu, T. Dias, B. B. N. S. Brandão, J. M. Gonçalves, J. Ribeiro, J. Hunt, H. Zanin, G. Doubek. Reviewing metal supported solid oxide fuel cells for efficient electricity generation with biofuels for mobility, Journal of Energy Chemistry (2024) https://doi.org/10.1016/j.jechem.2024.10.056
Membros do CINE que participaram do trabalho: Fábio C. Antunes (pós-doutorando), João P. J. de Oliveira (doutorando), Thiago Dias (pós-doutorando), Bruno B. N. S. Brandão (pós-doutorando), Hudson Zanin (pesquisador e coordenador do programa de Armazenamento Avançado de Energia), Gustavo Doubek (pesquisador e vice-coordenador do programa de Armazenamento Avançado de Energia).
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