Entrevistas com nossos pesquisadores: Mateus Giesbrecht

Para Mateus Giesbrecht, atual coordenador do programa Geração de Energia do CINE, não foi fácil conciliar o trabalho na indústria com a realização do mestrado e do doutorado. Mas o esforço valeu a pena.
Assim que concluiu a graduação em Engenharia Elétrica, Mateus conseguiu um emprego na indústria. Durante uma década, trabalhou em empresas multinacionais, atuando no projeto e no desenvolvimento de diversas máquinas elétricas.
Além disso, em paralelo, ele deu continuidade à sua formação acadêmica. A sua dissertação e a sua tese foram relacionadas à simulação de sistemas dinâmicos, que, em poucas palavras, são sistemas cujo estado muda ao longo do tempo, como as máquinas elétricas.
O resultado dessa trajetória diferenciada foi um profundo entendimento prático das máquinas elétricas, somado ao domínio de ferramentas matemáticas que permitem monitorá-las. Usando essa bagagem, ele conduz hoje, dentro do CINE, projetos de pesquisa que visam melhorar, por meio de técnicas de monitoramento de condição, a confiabilidade e eficiência das grandes máquinas elétricas que são os geradores eólicos.
Mateus obteve seus diplomas de graduação (2006), mestrado (2008) e doutorado (2013) em Engenharia Elétrica pela Unicamp. Entre 2005 e 2015, trabalhou na Multibrás, na Whirlpool, na GE Hydro e na Andritz Hydro. Em 2015, tornou-se professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, onde já orientou 47 trabalhos de pesquisa de alunos de graduação, mestrado e doutorado.
Em 2024, quando o CINE começou a atuar na área de energia eólica, Mateus se tornou membro do centro, dentro do programa Geração de Energia, inicialmente como vice-coordenador e, mais recentemente, como coordenador.
Nesta entrevista, ele conta o caminho percorrido até se tornar pesquisador da área de energia eólica, além de explicar como as pesquisas do CINE vão detectar falhas em geradores eólicos, conseguir um melhor aproveitamento da energia gerada e otimizar a geração de energia eólica offshore.
Conte-nos como a sua formação acadêmica e a sua experiência na indústria contribuíram para a sua atuação como pesquisador da área de energia eólica.
Atuei durante 10 anos na indústria em grandes multinacionais nas áreas de pesquisa e desenvolvimento e projeto de máquinas elétricas. Comecei a carreira atuando em pesquisa e desenvolvimento de técnicas de controle de máquinas elétricas de indução, para uma grande multinacional da área de linha branca, e em seguida passei a me dedicar ao projeto de máquinas elétricas síncronas, em uma grande multinacional na área de energia. As máquinas elétricas são as grandes responsáveis pela transformação da energia mecânica, que pode vir de uma turbina, por exemplo, em energia elétrica. Assim, como meu trabalho tinha uma grande profundidade técnica, acabei me tornando um especialista em máquinas elétricas, e isso foi fundamental para iniciar a pesquisa na área de energia eólica, principalmente no estudo de geradores eólicos, que nada mais são que umas grandes máquinas elétricas. Em paralelo, desenvolvi meu mestrado e meu doutorado na área de identificação de sistemas dinâmicos e análise de séries temporais. É um tema com uma matemática bastante profunda, mas muito elegante e prática, que permite que seja possível caracterizar um sistema dinâmico a partir de algumas medidas. Visto de forma prática, uma máquina elétrica é um sistema dinâmico, e usualmente são feitas várias medidas sobre essa máquina, como medidas de velocidade, tensão e corrente elétrica por exemplo. Assim, aplicando essas medidas aos métodos de identificação de sistemas, é possível caracterizar o que está acontecendo com a máquina elétrica naquele momento. É possível até mesmo saber se ela está operando em estado normal ou se ela está com alguma falha, mesmo que o efeito dessa falha seja imperceptível a um observador.
Além do aspecto técnico, em minha carreira de engenheiro tive bastante contato com empresas operadoras de máquinas elétricas utilizadas como geradores em grandes usinas hidrelétricas, e sempre percebi dessas interações uma grande demanda por métodos que permitissem que se diagnosticasse a saúde de suas máquinas. Assim, juntando a experiência técnica profissional em máquinas elétricas e a experiência acadêmica em identificação de sistemas, passei a me interessar por técnicas de diagnóstico de falhas em máquinas elétricas. Na área de geração eólica, essas técnicas são fundamentais para garantir o funcionamento confiável dos geradores eólicos e permitir que se tenha uma certa previsibilidade nas rotinas de manutenção. Como resultado, me tornei um pesquisador na área de energia eólica, tendo como principal foco de estudo os métodos de monitoramento de condição das máquinas.
O aspecto técnico foi fundamental, mas também não posso deixar de considerar os soft skills que adquiri na indústria. Como eu muitas vezes coordenava projetos técnicos internacionais, lidando diretamente com fornecedores e clientes de outros países, participei de vários treinamentos no exterior sobre como lidar com pessoas de diferentes culturas e como desenvolver projetos em contextos de diversidade. Na área de pesquisa, não se atua sozinho. Na verdade, os pesquisadores são em geral coordenadores de projetos, atuando na orientação de pós-doutorandos, estudantes de graduação, mestrado e doutorado e no relacionamento com outros pesquisadores para que se atinjam os objetivos da pesquisa. Esses soft skills adquiridos durante minha atuação na indústria também contribuem para que eu lide com as diferentes interfaces enquanto pesquisador.
Não é muito comum encontrar pesquisadores no meio acadêmico que fizeram mestrado e doutorado enquanto trabalhavam em empresas. Isso foi muito puxado no seu caso?
Realmente foi necessário ter muita dedicação. Duas das atividades que mais requerem tempo durante o mestrado e o doutorado são cursar as disciplinas e fazer as atividades experimentais. Durante o mestrado eu trabalhava como engenheiro de desenvolvimento e minha dissertação foi sobre um problema que eu estava estudando dentro da empresa. Com isso, tive liberação de metade das horas que precisava para me deslocar até a Unicamp e cursar as disciplinas – a outra metade, eu compensava em outros dias da semana – e pude realizar todas as atividades experimentais no laboratório da empresa. Minha dissertação contribuiu para que um teste que levava quase um dia para ser feito fosse simulado em segundos, diminuindo bastante o tempo de desenvolvimento do produto, então acredito que o número de horas que tive de liberação valeram a pena para a empresa no final do trabalho.
Já no doutorado, estava em outra empresa, trabalhando como engenheiro de projetos, e o tema de minha pesquisa não era diretamente de interesse da empresa. Entretanto, contei com muito apoio de meus superiores imediatos, a quem sou muito grato, e tive liberação de todas as horas necessárias para cursar as disciplinas. Já os experimentos, eu os realizava durante o final de semana – por muito tempo dedicava todo o sábado a isso, e aproveitava feriados e férias também. Um fato curioso: quase no final de meu doutorado, passei por um treinamento de um mês na matriz da empresa na Europa. Aos finais de semana, ao invés de passear pela cidade, precisei dedicar muitas horas à conclusão de um artigo científico com os principais resultados da pesquisa. Claro que um pouco de tempo eu usava para conhecer a cidade onde eu estava, mas durante a maior parte dos finais de semana, ficava no hotel trabalhando em minha pesquisa. Hoje vendo tudo o que fiz, tenho certeza de que valeu a pena. Faria tudo de novo!
Qual foi o motivo que o levou a se tornar professor pesquisador depois de vários anos trabalhando como engenheiro em empresas?
O principal motivo que me levou a tomar essa difícil decisão foi o prazer que tenho em ensinar e disseminar conhecimentos. Desde a graduação eu já apresentava uma facilidade de sintetizar conteúdos e apresentar aos colegas de turma, e em minha atuação na indústria uma das atividades que mais me alegrava era treinar novos colegas de trabalho. Um fato curioso aconteceu durante minha defesa de doutorado. Naquela época, eu ainda trabalhava como engenheiro em tempo integral, e um dos membros da banca falou que eu contribuiria muito mais com o nosso país na academia do que em uma empresa de engenharia. Aquela fala me marcou bastante e, somando minha vocação com a percepção das pessoas ao meu redor, concluí que poderia fazer um trabalho muito mais relevante para nossa sociedade me tornando um pesquisador na academia.
Desde 2024, o CINE está trabalhando em alguns projetos de energia eólica. Comente a importância dessa forma de energia renovável e limpa na transição energética no Brasil.
O Brasil tem como característica uma matriz elétrica fortemente baseada em energias renováveis por conta de nossas hidrelétricas. Com o crescimento do país, também há o aumento da demanda por energia, e novos projetos de geração são necessários. O potencial hidráulico já foi bastante explorado, ficando alternativas como a energia eólica, a energia solar e a energia de biomassa. Dessas formas de energia, a eólica é a que apresenta um dos menores custos por MWh gerado. Além disso, o Brasil conta com um potencial eólico onshore de aproximadamente 10 vezes a potência instalada da Usina de Itaipú, que é uma das maiores usinas de geração de energia do mundo. Desta forma, temos um grande potencial de instalação de unidades eólicas, garantindo que nossa matriz elétrica permaneça limpa e renovável.
Quais são os grandes objetivos do programa Geração de Energia do CINE na área de energia eólica e quais os principais desafios que seus pesquisadores têm que enfrentar para alcançar esses objetivos?
Os principais objetivos do programa de geração de energia do CINE na área de energia eólica são o desenvolvimento de algoritmos de diagnóstico dos geradores e componentes mecânicos das turbinas eólicas; o desenvolvimento de técnicas de controle de conversores de potência para transformar a energia elétrica extraída dos geradores eólicos de maneira que ela fique compatível com a rede elétrica, e a modelagem mecânica de diferentes tipos de turbinas eólicas tendo em vista a aplicação offshore. Para alcançar esses objetivos é necessário vencer diversos desafios, como a modelagem matemática de sistemas complexos, a montagem de bancadas experimentais para validação das técnicas estudadas e a realização de experimentos que reproduzam em laboratório, de maneira significativa, o comportamento dos geradores e turbinas eólicas. Outro importante desafio é transformar toda a complexidade do estudo em ferramentas práticas, que sejam relevantes para os usuários finais.
De que forma os resultados dos trabalhos do programa podem beneficiar a sociedade?
No que se refere ao desenvolvimento de algoritmos de diagnóstico, teremos como resultados finais técnicas para avaliar se há algum defeito acontecendo em geradores e componentes mecânicos de turbinas eólicas. Essas técnicas permitirão que, mesmo pequenos defeitos, que chamamos de falhas incipientes, sejam diagnosticados, permitindo que os operadores dos parques eólicos possam intervir e evitar a evolução das falhas para algo catastrófico. Isso aumenta a disponibilidade das turbinas eólicas e, como consequência, aumenta a confiabilidade de que a energia vai ser gerada conforme se espera. Com isso, a expansão da energia eólica pode ser feita de maneira mais confiável, com impactos mais previsíveis na rede elétrica nacional. No que se refere ao desenvolvimento de técnicas de controle de conversores de potência, as pesquisas permitirão o melhor aproveitamento da energia gerada, por meio de conversores com melhor eficiência. As técnicas de controle de conversores a serem desenvolvidas também terão como foco a melhoria da qualidade da energia transmitida à rede, o que também influencia na confiabilidade do abastecimento da energia pela fonte eólica. Por fim, a modelagem de componentes mecânicos e de turbinas eólicas offshore permitirá que se explore com mais eficiência e confiabilidade os abundantes ventos disponíveis no mar, sendo mais uma alternativa para fornecimento de energia limpa e confiável.
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Mateus Giesbrecht
UNICAMP