Acesso à Intranet
Entrevistas com nossos pesquisadores: Juarez L. F. Da Silva
16 de Julho de 2025
16 de Julho de 2025

Contato



Juarez L. F. Da Silva
UNICAMP

Criança curiosa, Juarez L. F. Da Silva levou algumas broncas por desmontar aparelhos na casa dos pais, no interior do estado de Goiás. Mas foi esse mesmo desejo de entender o mundo que o colocou no caminho da pesquisa científica.

Em 1994, formou-se no bacharelado em Física pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Depois disso, em busca de novos desafios, ele fez mestrado na cidade de São Paulo, no Instituto de Física da USP, e doutorado na Alemanha, na Universidade Técnica de Berlim e no Instituto Fritz-Haber da Sociedade Max-Planck.

Entre 2002 e 2009, Juarez ampliou a sua vivência científica internacional com dois pós-doutorados na Alemanha (no Centro de Pesquisa Juelich e na Universidade Humboldt de Berlim) e um terceiro pós-doc nos Estados Unidos (no Laboratório Nacional de Energia Renovável).

Em agosto de 2009, retornou ao Brasil como Jovem Pesquisador da FAPESP, atuando no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP). Em 2012, iniciou a sua carreira como docente universitário no Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP), onde criou o grupo de pesquisa QTNano, dedicado ao estudo computacional de nanomateriais.

Em 2018, participou da fundação do CINE mediante a criação de um programa dedicado à ciência computacional de materiais para aplicações em energia limpa e renovável, que hoje se denomina Design Computacional de Materiais (CMD, na sigla em inglês). 

Além de liderar esse programa de pesquisa, o professor Juarez coordena, desde 2020, a área de Educação e Difusão do Conhecimento (EDK) no CINE, onde o cientista já dirigiu iniciativas como a criação do podcast Novos Ares, do ciclo de seminários CINE Talks e de uma edição especial sobre novas energias em uma revista de jornalismo científico, além da implementação do site atual e da newsletter mensal. No seu perfil no LinkedIn, que tem cerca de 28 mil seguidores, o professor realiza um trabalho sistemático de difusão dos resultados das pesquisas do seu grupo.

Atualmente, com mais de 260 artigos científicos publicados em periódicos internacionais e quase 100 orientações concluídas de trabalhos de pesquisa de graduação, pós-graduação e pós-doutorado, Juarez é bolsista de produtividade do CNPq no nível mais alto, o 1A.

Nesta entrevista, que pode inspirar jovens nas suas trajetórias profissionais, o cientista vai além dos números e descreve os caminhos que o levaram a construir uma carreira científica destacada na área da ciência computacional de materiais. Além disso, Juarez conta como o programa CMD está impactando a competitividade industrial, o avanço acadêmico e o desenvolvimento sustentável do Brasil.

Como, quando e onde se desenvolveu o seu interesse pela ciência?

Meu interesse pela ciência começou a se formar ainda na infância, mesmo que de maneira informal. Durante o ensino fundamental, eu não me dedicava muito à leitura da literatura brasileira tradicional, mas tinha grande interesse pelas edições da revista Superinteressante, que marcou diversas gerações ao apresentar temas científicos e culturais de forma acessível e instigante. Essa leitura despertava minha curiosidade e alimentava o desejo de compreender melhor o mundo ao meu redor.

Apesar de não ter participado de feiras de ciências ou atividades escolares formais relacionadas à área científica durante o ensino fundamental ou médio, eu sempre fui uma criança curiosa, interessada em entender o funcionamento das coisas — como rádios e aparelhos eletrônicos. Lembro-me de desmontar alguns desses objetos com o objetivo de descobrir como funcionavam, embora não conseguisse montá-los novamente e, naturalmente, enfrentava várias consequências pelas ações sem planejamento. Essas experiências, ainda que simples, foram fundamentais para despertar meu olhar investigativo e minha afinidade com a lógica e a estrutura da ciência.

Já no último ano do ensino médio, em 1990, fui confrontado com a necessidade de tomar decisões que definiriam meu futuro profissional. Diante das incertezas típicas dessa fase, optei pela área de exatas, reconhecendo que não possuía vocação para as áreas de humanas ou biológicas. Essa escolha refletia também minhas habilidades mais desenvolvidas em matemática e física.

Ao longo daquele ano, considerei diferentes possibilidades dentro das exatas, oscilando entre cursos de engenharia e outros com maior ênfase científica, como física, química e matemática. Por algum tempo, desejei cursar engenharia química, embora hoje perceba que essa escolha se baseava em uma compreensão imprecisa sobre o curso. No entanto, ao final do primeiro semestre de 1990, já estava convicto de que o curso de Física era o caminho mais alinhado com meus interesses. Apesar das incertezas quanto às oportunidades profissionais, o fascínio por compreender os fenômenos naturais foi decisivo.

Outro aspecto importante foi a baixa concorrência pelo curso de Física, o que, diante da ausência de condições financeiras para cursinhos ou novas tentativas de vestibular, aumentava minhas chances de ingresso direto no ensino superior. Assim, por uma combinação de interesses pessoais, curiosidade intelectual e fatores práticos, iniciei minha trajetória científica no bacharelado em Física pela Universidade Federal de Goiás.

E como você entrou no caminho da ciência computacional e na área de materiais para novas energias?

Para ser sincero, minha entrada na ciência computacional e na área de materiais para novas energias ocorreu de forma quase acidental, sem que eu tivesse plena consciência, naquele momento, das consequências dessa escolha para a minha trajetória profissional.

Durante os primeiros anos da graduação em Física, percebi que não possuía habilidades técnicas particularmente fortes para atuar em laboratórios experimentais. Eu enfrentava dificuldades com tarefas práticas, como preparação de soluções ou operação de equipamentos complexos. Em contrapartida, sentia-me muito mais confortável com lápis e papel, resolvendo problemas teóricos e analíticos. Essa inclinação me levou a trabalhar, ainda na graduação, com métodos estatísticos e termodinâmicos aplicados à caracterização de uma cadeia linear de átomos interagindo via potencial de Lennard-Jones. Tratava-se de um problema essencialmente teórico, resolvido por meio de aproximações estatísticas.

Naquele período, meu contato com ciência computacional foi bastante limitado, restrito à disciplina de cálculo numérico. A computação ainda não fazia parte integral da minha formação ou das ferramentas que eu dominava. Foi apenas no último ano da graduação, quando cursei disciplinas como Mecânica Quântica, Eletromagnetismo, Física do Estado Sólido e Física de Semicondutores, que comecei a vislumbrar a possibilidade de seguir carreira acadêmica, com um foco voltado à área de materiais e fenômenos quânticos — áreas que, mesmo naquela época, já exigiam o uso de ferramentas computacionais.

Em 1995, iniciei o mestrado em Física Atômica e Molecular no Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Foi um momento de grandes mudanças, saindo do interior de Goiás e vindo para São Paulo em busca de novos desafios. Na sequência, tive a oportunidade de realizar o doutorado no Instituto Fritz-Haber da Sociedade Max-Planck, em Berlim — um centro de excelência em pesquisa fundamental nas áreas de física e química teóricas, particularmente voltadas à superfície de materiais e à ciência de interfaces. Nesse ambiente altamente internacionalizado e interdisciplinar, trabalhei com técnicas computacionais avançadas para investigar o comportamento de átomos de gases nobres adsorvidos em superfícies de metais de transição, aprofundando minha formação teórica e computacional.

Minha transição para a área de materiais voltados à energia começou ainda de forma indireta, por meio do estudo de materiais catalíticos. No entanto, foi durante meu terceiro pós-doutorado, no National Renewable Energy Laboratory (NREL), nos Estados Unidos, que essa transição se consolidou de maneira definitiva. O NREL é uma das principais instituições de pesquisa em energias renováveis no mundo, atuando no desenvolvimento de tecnologias limpas e sustentáveis, com foco em eficiência energética, conversão fotovoltaica, armazenamento e integração energética.

No NREL, fui inserido em um ambiente altamente colaborativo, multidisciplinar e voltado à inovação tecnológica. Lá, desenvolvi projetos voltados à investigação teórica e computacional de materiais emergentes para células solares, aprofundando-me em métodos de simulação de estrutura eletrônica e propriedades optoeletrônicas. Essa experiência foi transformadora para minha carreira, pois não apenas expandiu significativamente minha competência técnica em métodos de ponta em ciência computacional de materiais, como também me inseriu em um ecossistema de pesquisa voltado à solução de desafios globais em energia limpa.

Assim, embora minha trajetória nessa área tenha começado por caminhos inesperados, ela foi sendo moldada por oportunidades estratégicas e experiências transformadoras que me permitiram construir uma carreira sólida na interface entre ciência computacional, física da matéria condensada e materiais para tecnologias energéticas sustentáveis.

A partir da sua experiência, rica em vivências internacionais, comente por que a internacionalização é importante na ciência.

A internacionalização é um componente fundamental para o avanço da ciência e para a formação de pesquisadores com atuação sólida e relevante em nível global. No meu caso, tive a oportunidade de realizar parte importante da minha formação no exterior, tanto no doutorado quanto no pós-doutorado. Essas experiências foram decisivas para a construção da minha identidade como pesquisador.

Minha formação técnica de base foi adquirida no Brasil, e ela foi essencial para que eu pudesse iniciar minha trajetória acadêmica. No entanto, foi no contato direto com grupos de excelência no exterior que desenvolvi, de forma mais profunda, as habilidades científicas, metodológicas e estratégicas que moldaram minha atuação como cientista. É importante destacar que o impacto transformador dessas experiências não está unicamente no fato de terem ocorrido no exterior, mas sim na oportunidade de trabalhar lado a lado com pesquisadores que são referências mundiais em suas áreas — muitos deles com índices h entre 104 e 160 (Google Scholar 2025). Trabalhar nesse nível de excelência redefine padrões de qualidade, aprofundamento e inovação.

Adquirir experiência internacional, quando realizada com grupos de liderança científica global, pode ser um fator determinante na carreira de um pesquisador. É nesse ambiente que se aprende como a ciência de impacto é construída, como se definem problemas relevantes e como se estruturam colaborações sólidas e produtivas.

Ao longo de mais de 11 anos trabalhando no exterior, construí uma rede de contatos científicos altamente qualificada, que hoje serve como base para colaborações estratégicas do nosso grupo de pesquisa. A experiência internacional também proporciona uma compreensão mais ampla da cultura científica global, dos desafios logísticos e acadêmicos envolvidos em projetos multinacionais, e das formas mais eficientes de gestão e execução de parcerias científicas.

Atualmente, nosso grupo mantém colaborações ativas com centros de excelência, como a parceria com o grupo do Prof. Roland A. Fischer, da Universidade Técnica de Munique. Essa colaboração integra expertises experimentais e computacionais para investigar complexos metálicos aplicados em catálise homogênea em reações de interesse estratégico, como a redução de CO₂ e a produção de H₂. O foco dessas colaborações é gerar conhecimento de alto impacto, como evidenciado por um dos nossos artigos recentes, publicado na Nature Chemistry no primeiro semestre de 2025.

Como líder de grupo de pesquisa, adoto uma abordagem seletiva na construção de novas colaborações. Acredito firmemente que parcerias científicas bem-sucedidas devem estar alicerçadas em interesses comuns, confiança mútua e complementaridade de expertises. A internacionalização, quando guiada por esses princípios, não apenas fortalece a ciência produzida localmente, mas também posiciona nossos grupos e instituições em um cenário científico verdadeiramente global.

Comente por que a ciência computacional de materiais é importante para desenvolver tecnologias sustentáveis de geração e armazenamento de energia.

A importância do programa CMD dentro da estrutura do CINE é estratégica. Ele foi concebido com o objetivo de oferecer suporte computacional à caracterização de materiais e à elucidação de resultados experimentais, atuando de forma sinérgica com os demais grupos experimentais do centro. Essa abordagem é essencial para o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis de geração e armazenamento de energia, pois permite investigar propriedades fundamentais de novos materiais, prever comportamentos em diferentes condições e orientar o desenvolvimento experimental de forma mais racional, ágil e eficiente.

Durante a primeira fase do CINE, a integração entre os pesquisadores computacionais e experimentais se deu de forma progressiva, resultando em diversas publicações conjuntas. Atualmente, o programa CMD vem desempenhando um papel cada vez mais ativo na solução de problemas científicos e tecnológicos, com destaque para a incorporação de ferramentas de inteligência artificial que estão acelerando significativamente a geração de conhecimento e a inovação em materiais.

Essa abordagem abrangente tem sido fundamental para ampliar o impacto do programa CMD no CINE. Além disso, ela permite a integração eficiente entre teoria, simulação e experimento, acelerando a descoberta de novos materiais com aplicações diretas em tecnologias energéticas como baterias, células solares e processos catalíticos.

Apesar dos avanços, ainda existem desafios importantes para intensificar as sinergias entre os diferentes programas do CINE. Superar essas barreiras exige investimento contínuo em comunicação, integração interdisciplinar e construção de pontes entre modelagem e experimento. No entanto, é justamente essa convergência de expertises e ferramentas computacionais avançadas que faz do CMD um pilar fundamental para a missão do CINE de desenvolver soluções de energia limpas, eficientes e sustentáveis.

Quais são os grandes objetivos e principais desafios do programa CMD?

O nosso principal objetivo científico é a construção de uma infraestrutura digital integrada, baseada em ciência computacional, ciência de dados e inteligência artificial, voltada à aceleração da descoberta, desenvolvimento e caracterização de materiais para tecnologias sustentáveis. A proposta central é estabelecer um Laboratório Digital para o Design de Materiais, onde diferentes ferramentas computacionais atuam de forma sinérgica, desde a mineração da literatura científica até a geração de modelos digitais avançados, com integração direta aos dados experimentais.

Essa estrutura é organizada em cinco eixos tecnológicos complementares. O primeiro é o processamento de linguagem natural (natural language processing – NLP), utilizado para transformar o vasto volume de literatura científica e relatórios técnicos em conhecimento estruturado e acionável. O segundo são as simulações atomísticas, que constituem a espinha dorsal do entendimento fundamental dos materiais. O terceiro se refere ao desenvolvimento e uso de algoritmos de aprendizado de máquina e mineração de dados para ampliar a capacidade de exploração de novos materiais, reduzindo drasticamente o número de tentativas e erros e criando rotas de descoberta mais eficientes e baseadas em dados. 

No quarto lugar, temos as simulações multifísicas, que simulam a realidade de dispositivos como baterias, células solares e reatores catalíticos, envolvendo a interação simultânea de múltiplos fenômenos físicos e químicos, muitas vezes em escalas de tempo e espaço distintas. O quinto eixo se refere aos gêmeos digitais (digital twins), que representam o ápice integrativo do Laboratório Digital do CMD. Um gêmeo digital é uma representação virtual dinâmica de um sistema físico real que permite não apenas interpretar, mas também controlar sistemas complexos em tempo real.

De que forma os resultados do programa CMD podem beneficiar a sociedade?

Concretamente, o programa CMD beneficia a sociedade em várias frentes complementares. Primeiramente, são importantes as contribuições científicas realizadas através da caracterização e design de novos materiais utilizando avançadas técnicas computacionais, e.g., química quântica, dinâmica molecular, aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, etc. Essas abordagens computacionais permitem o desenvolvimento acelerado de materiais com propriedades otimizadas para aplicações tecnológicas, industriais e ambientais, impulsionando a inovação e promovendo soluções mais sustentáveis.

Além disso, o CMD tem um papel fundamental na formação de recursos humanos altamente qualificados, preparando pesquisadores e profissionais com habilidades em ciência computacional, modelagem, inteligência artificial e ciência de dados aplicados ao design de materiais. Essa capacitação prepara esses profissionais para atuarem tanto na academia quanto na indústria, ampliando o impacto do programa para além do ambiente de pesquisa.

O programa também demonstra sua relevância pelo impacto concreto na academia e no setor produtivo, já que diversos ex-membros do CMD tornaram-se professores em universidades federais e estaduais, contribuindo para a expansão do conhecimento científico e para a formação de novas gerações. Outros ex-membros estão atuando diretamente na indústria, aplicando seus conhecimentos em pesquisa e desenvolvimento, o que fortalece a inovação tecnológica nacional.

Por fim, o CMD contribui para o avanço da inteligência artificial no país, visto que vários ex-integrantes com expertise em aprendizado de máquina estão desenvolvendo soluções que extrapolam a área de materiais, promovendo avanços tecnológicos em diversos setores da sociedade. Dessa maneira, o CMD estabelece um ciclo virtuoso de inovação científica, formação profissional e transferência tecnológica, com impactos diretos na competitividade industrial, no avanço acadêmico e no desenvolvimento sustentável da sociedade.

 

Saiba mais sobre o programa Design Computacional de Materiais.

Contato



Juarez L. F. Da Silva
UNICAMP

UNICAMP - Cidade Universitária
"Zeferino Vaz" Barão Geraldo
Campinas - São Paulo | Brasil
Rua Michel Debrun, s/n
Prédio Amarelo CEP: 13083-084
Contato:
Acompanhe nossas redes sociais: